Desde 2003, Fernando Henrique dos Santos, 42 anos, convive com dores intensas, especialmente na coluna. Em 2018, após um diagnóstico de artrite reumatoide—uma condição inflamatória crônica que impacta diversas articulações—ele foi afastado de suas funções. Recentemente, durante uma consulta, seu diagnóstico foi atualizado para espondilite anquilosante, uma forma de artrite que afeta predominantemente a coluna vertebral.
Para tratar sua condição, Santos depende do medicamento infliximabe, que necessita ser administrado a cada oito semanas por meio de infusões, um procedimento custoso que ele obtém gratuitamente em sua cidade. Contudo, acessar esse tratamento se tornou uma verdadeira jornada.
Morador de Guarulhos, na Grande São Paulo, Santos viajava até Mogi das Cruzes, também na região metropolitana, para receber o medicamento com segurança, um serviço anteriormente disponibilizado pelo laboratório produtor através de um contrato com o governo estadual. Com a quebra desse acordo, ele foi forçado a recorrer a uma clínica na zona leste de São Paulo utilizando seu convênio médico, já que a opção não estava disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Em suas palavras: “Eu estou afastado do trabalho, então consigo me deslocar, mas a dificuldade real é o tratamento em si: pelo SUS, não consigo realizar”.
A Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) expressa que a escassez de centros de infusão no SUS e a falta de protocolos adequados para a administração de medicamentos expõem pacientes a riscos, comprometendo o tratamento de doenças crônicas autoimunes e levando à perda de acessos a medicamentos de alto custo.
Durante o Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado entre 17 e 20 de setembro em Salvador (BA), Vander Fernandes, coordenador da Comissão de Centros de Terapia Assistida da SBR, ressaltou que, embora muitos medicamentos sejam disponibilizados de forma gratuita, há um “vazio” entre a obtenção do remédio e a efetiva aplicação em um local seguro.
Muitas medicações baseadas em biotecnologia são caras e, embora sejam fornecidas pelo SUS, carecem de orientações que especifiquem a rede de cuidados necessários para sua administração, que requer atenção especial na manipulação, armazenamento e aplicação.
Fernandes declarou: “O SUS incorporou essa tecnologia há mais de 25 anos, porém, o erro inicial foi tratá-las apenas como farmacêuticos, levando os pacientes a levarem os medicamentos para casa sem o devido acompanhamento. Essas medicações precisam muitas vezes de uma equipe de pré-medicação para monitorar possíveis reações adversas e, no caso de infusões longas—que duram de duas a seis horas—, esse suporte não foi considerado na história do SUS”.
A ausência de centros adequados não só atrapalha a administração correta dos medicamentos, como também compromete seu armazenamento, considerando que muitos deles precisam ser mantidos em temperaturas específicas para garantir sua eficácia. “Alguns medicamentos devem ser armazenados em condições de frio, e fora dessas condições, eles podem perder qualidade”, enfatizou.
Esses centros também seriam essenciais para monitorar possíveis reações alérgicas ou intercorrências durante a aplicação do medicamento. “Estamos lutando para que o Ministério da Saúde implemente regulamentos sobre centros de terapia assistida, crie financiamento para isso e que estados e municípios possam aderir a essa política”, frisou Fernandes. “É inadmissível que haja pacientes com remédios em mãos e sem onde fazer a aplicação.”
A SBR constatou que existem apenas 61 centros de terapia assistida em todo o Brasil, a maioria na região Sudeste e predominantemente na forma privada. Apenas 11 desses centros mantêm contratos com o SUS. Estima-se que cerca de 20 mil pacientes que dependem de tratamentos com medicamentos imunobiológicos venham a necessitar de assistência qualificada para as aplicações.
Uma pesquisa da Biored Brasil, realizada em julho de 2023 com 761 pacientes que recebem medicamentos de alto custo pelo SUS, revelou que 10% estavam sem acesso à aplicação e 46% relataram não ter centros de terapia assistida próximos às suas residências. Além disso, 55% dos entrevistados afirmaram gastar entre R$ 150 e R$ 200 por aplicação, gerando um impacto significativo em suas rendas familiares. Apenas 20% deles disseram realizar as aplicações em centros do SUS.
Em resposta, o Ministério da Saúde informou à Agência Brasil que estuda a criação de pontos para se tornarem centros de terapia assistida, com estudos técnicos em andamento.
*A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
























