Nos últimos meses, o vídeo “Adultização”, publicado pelo influenciador Felca, reacendeu um debate urgente sobre a exposição e sexualização precoce das crianças nas redes sociais. A denúncia acerca do chamado “algoritmo P” evidencia um problema ético e coletivo — o de transformar a infância em mercadoria.
Mas, além da exposição digital, existe uma forma mais sutil e igualmente perigosa de adultização: aquela que ocorre dentro de casa, nas escolas e nas práticas cotidianas. Pais, professores e a cultura em geral exigem das crianças comportamentos e responsabilidades típicas de adultos.
A criança contemporânea é, frequentemente, privada do tempo da infância. Espera-se que fale cedo, aprenda rápido, mantenha autocontrole, tenha produtividade e lide com frustrações inadequadas ao seu estágio de desenvolvimento.
Atividades lúdicas, como brincar e imaginar, essenciais para o amadurecimento emocional e cognitivo, são frequentemente substituídas por rotinas extensas e estímulos tecnológicos contínuos.
A sociedade do desempenho, centrada em resultados, projeta nas crianças a expectativa de serem pequenos adultos eficientes, o que reduz o espaço para a espontaneidade e o lúdico.
Enquanto isso, muitas crianças são diagnosticadas com TDAH e TOD sem a devida atenção multidisciplinar. A psicóloga Cecília Antipoff propõe o conceito de TDDI (Transtorno do Desconhecimento do Desenvolvimento Infantil), que indica a falta de compreensão dos adultos sobre os processos de amadurecimento das crianças.
Esse “desconhecimento” leva a práticas educativas que ignoram o ritmo da infância, gerando sofrimento psíquico e prejuízos no desenvolvimento. O TDDI, portanto, é uma expressão da adultização da infância: quando as crianças são tratadas como se já tivessem maturidade emocional.
Felca aponta tanto a adultização visível — relacionada a roupas e poses — quanto a invisível, que ocorre em dinâmicas familiares em que a criança é vista como um “parceiro emocional” ou em ambientes escolares que priorizam o desempenho.
Esse cenário transforma a infância de um período de construção da subjetividade em um campo de produtividade, resultando em crianças com sintomas de ansiedade e dificuldades de vínculos.
Adultizar uma criança é negar-lhe o direito de crescer em seu próprio ritmo. A denúncia de Felca nos convoca a refletir sobre a adultização, tanto no contexto digital quanto nas dinâmicas cotidianas que estruturam o dia a dia infantil.
Reconhecer e respeitar as etapas do desenvolvimento infantil é um ato de cuidado e resistência. Em um mundo que exige pressa, permitir que a criança seja criança é, possivelmente, o gesto mais revolucionário que podemos oferecer.
























